sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Tempo em vão

A sala em que passava os dias era escura, mas a certo momento do dia a posição do sol encontrava, com exatidão, uma única fenda talhada na junção hermética das paredes. Inundava sua cama de um tom ocre, de calor e traço delicado. Revelava nela os bolores e o mofo que a escuridão e a umidade construíam com paciência. O verão se anunciava através de um vapor morno e adocicado que soprava de uma tela de ventilação instalada na parte mais baixa de uma das paredes. Procurava adivinhar nos odores daquele breu os percursos, os quartos, e a distância percorrida antes de bater em sua pele. E predizia também o verão, que lhe consentia o cálculo dos dias, a corrida do tempo, a iminência da morte. Quando cessava o verão e interrompia-se o movimento daquela periódica respiração, instaurava-se o início de outra era, que às vezes durava mais, outras vezes menos, mas que encerrava-se, via de regra, com a notícia do próximo verão. Não havia sorriso, disfarce ou desespero. As lágrimas lhe vinham como a fome, mas não saberia distinguir uma da outra - brotavam do tempo, cujo criador jamais soube precisar. E assim terminou os dias.

Pobre do homem, único dos animais destituído de instinto, se algo nele não for trabalhosamente construído, o que dele será?