domingo, 1 de julho de 2007

Lágrima

Enquanto caminhava percebia que minhas pernas andavam sozinhas, sem que pudesse eu lhes afetar a vontade. Estavam elas em descompasso. Minha cabeça inclinava-se desequilibrada, como se fosse de areia, pesada, atrapalhava o ritmo acelerado de minha marcha. Era como se não pudesse o raciocínio me convencer de que tal aventura me era assustadora. Não queria jamais me expor outra vez à humilhação. Explodi horrivelmente e agora corro a favor daquilo que jamais mereci. Mas não consigo sequer formar em meu pensamento a presumida ineficácia de meu apelo. Vou encontrá-la e aos pés dela chorar. Procurarei não chorar antes.

Chamei-a pelo sinal da campainha. O primeiro toque, incerto, destoou do segundo, que fiz com o dedo cravado. O barulho que se ouvia fora do apartamento era mais agudo do que o que corria dentro; era também mais alto... vergonhoso. Lá dentro os passos, que demoraram a rugir e que subitamente tornaram-se firmes, revelaram a surpresa, a indecisão e a coragem que precisou ela encontrar para vir até a porta. O corpo do som e o ritmo das batidas da sirene deixavam claro para ela que era eu que lhe batia a porta. Encontrei-a terrivelmente inteira. Já sabia de seu estado, mas preferi achar que estava ela como eu. Ela estava melhor do que jamais estivera. Radiava. Havia em seu rosto uma consternação calculada, imprópria, mas que vinha acomodar-se ao conjunto que formávamos, eu, um arrebentado, e ela, que dissimulava alívio de tristeza. Como a expressão lhe caía bem. Minha presença a piorava. Minha garganta engasgava. Lhe fiz mal durante o tempo que estive ao seu lado. Sempre lhe quis o bem. Como foi que não percebi. Fui subordinado às vontades dela. Foi esse meu engano. Deixei de lado o que mais me importava. Afastei todos de mim. E junto deles agora está ela, longe.

Estava na sua frente e não pude dizer nada. Teria-me sido pior a palavra. Somente esclareceria para ela sobre o que agora para mim tornava-se claro, eu lhe fazia mal. Daria-lhe contento e confiança. Perderia minha última esperança. Fiquei quieto, torci os ombros (minhas pernas escolheriam ficar), e, ainda de cabeça baixa, desci novamente as escadas que separavam a porta do apartamento e o acesso ao edifício. Acabava de subi-las estarrecido e agora as descia, como morto. Caíram de mim lágrimas que somente muito tempo depois deixaram de surgir dos olhos, mas que permanecem apertando o coração.

4 comentários:

Bruno O. Barros disse...

Porra, muito bom! Bem escrito demais! Quero ler mais...

Anônimo disse...

Sensível, delicado, com muita força e maravilhoso...

Anônimo disse...

Lindo... Sou suspeito, mas é lindo, e o teu principal crítico, daqui há anos rirá com desprezo d'aquilo que hoje emociona e profundamente toca!

Anônimo disse...

A tua sensibilidade é uma das tuas qualidades que mais admiro.